Por equipe AzMina
Quem viveu os últimos cinco anos e esteve minimamente atenta às mídias teve contato com o feminismo de alguma forma. Seja nas campanhas e hashtags que ganharam as redes sociais, seja acompanhando o debate sobre o tema na TV e no cinema, ou seja se aprofundando no debate sobre o lugar da mulher na sociedade.
O movimento feminista tem história e trajetória, foi responsável por boa parte dos direitos básicos que nós, mulheres, temos hoje, como o de votar, trabalhar e sair de um casamento em que exista violência. E os últimos anos fazem parte dessa história com o que algumas pessoas chamam de “quarta onda do feminismo”. Um momento de expansão da luta por direitos das mulheres com ajuda da internet, levando a maior popularização das demandas e dos debates.
AzMina surgiu nesse movimento. Fundada em 2015, a organização veio como uma resposta aos machismos que gritavam no jornalismo tradicional e ao longo desses anos expandimos nossa atuação, com o aplicativo PenhaS, campanhas de conscientização e o Elas no Congresso. E temos muito orgulho de olhar para trás e ver que fizemos parte dessa ampliação e crescimento do feminismo no Brasil e também de muita mudança que aconteceu na mídia brasileira.
Mas, exatamente por estarmos continuamente combatendo as violências contra a mulher e monitorando nossos direitos, sabemos também que, frente aos avanços das demandas das mulheres, veio uma forte onda conservadora de resistência.
Por isso, muito ainda precisa ser feito.
Para celebrar os cinco anos d’AzMina e as vitórias do movimento feminista, olhamos para o passado para refletir sobre o que queremos fazer daqui para frente. E para ajudar nessa reflexão, convidamos algumas das pensadoras que têm pesquisado e gerado conhecimento sobre o feminismo no Brasil para responder a pergunta: Que feminismo queremos para o futuro?
Um feminismo que proponha um novo marco civilizatório – Joice Berth
“O feminismo que queremos, que deveríamos desejar ardentemente, é o feminismo em que exista seriedade e embasamento teórico que dê suporte às nossas práticas. Para que a gente se entenda, mesmo dentro da categoria mulher, como indivíduos, como mulheres que têm suas especificidades, que têm suas questões dentro dos grupos de que fazem parte, e que todas possam se sentir abraçadas dentro da luta. Que possam trazer às suas vivências, suas questões, que possam trazer suas contribuições sócio-políticas, e que nenhuma mulher fique de fora. Que seja totalmente inclusivo.
E acho que, principalmente, o feminismo que a gente deve almejar é o feminismo que proponha um novo marco civilizatório, para uma sociedade em que as pessoas sejam de fato emancipadas, onde as relações de poder sejam horizontalizadas e não verticalizadas, o que contribui para que a pirâmide social continue, inclusive, sendo reproduzida nos espaços familiares, educacionais, de militância, de ativismos.
Um feminismo que pense que somos mulheres, mas que somos mulheres negras, mulheres indígenas, mulheres camponesas, mulheres com deficiência, mulheres islâmicas, do candomblé, da umbanda, do axé. Um feminismo onde todas as mulheres possam se sentir representadas, mas não só representadas, atuantes, participando ativamente das transformações e das proposições que a gente precisa para chegar nesse marco civilizatório que a gente pode alcançar”.
Joice Berth é arquiteta e urbanista, escritora autora do livro “O que é Empoderamento?”, da coleção Feminismos Plurais.
O feminismo que luta pela vida da menina – Débora Diniz
“O feminismo que queremos é aquele da porta do hospital do Recife. É o feminismo da multidão de mulheres de todas as idades, corpos e jeitos que se une para proteger uma menina anônima. Sem nunca ter conhecido seu rosto ou seu nome, o feminismo que move a vigília do hospital compartilha a urgência do justo. Luta pela vida daquela menina como se por todas as outras.
A união não é homogênea: reconhecemos e nos provocamos pelas nossas diferenças, reagimos pelos privilégios imerecidos de umas contra as vulnerabilidades impostas a outras. Vemos limitações, criticamos ausências e corrigimos rotas. Mas ao final nos unimos pela força de futuro que cria a multidão protegendo menina, no feminismo que queremos”.
Débora Diniz é antropóloga e pesquisadora, cofundadora da Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero.
Um feminismo inclusivo e popular – Jaqueline de Jesus
“Queremos feminismos cada vez mais inclusivos e populares, que não sejam vistos como temas exóticos e nem como assuntos superficiais. Que aquelas que produzem teorias e políticas feministas cada vez mais atuem nas políticas públicas, produzindo conhecimento e promovendo o combate à naturalização das discriminações, contra o elitismo e sendo reconhecidas como protagonistas, sejam elas negras, indígenas, ciganas, lésbicas, bissexuais, trans, periféricas.
Que todas sejam de fato valorizadas em sua interseccionalidade: é esse o feminismo que queremos!
Jaqueline de Jesus é psicóloga, professora de psicologia no Instituto Federal do Rio de Janeiro e pós-doutora em ciências sociais com foco em trabalho, gênero e movimentos sociais.
Um feminismo que não seja supremacista branco – Winnie Bueno
“Eu quero um feminismo que não seja supremacista branco, e acho que esse é o feminismo que todas nós deveríamos reivindicar. Porque ou o feminismo é práxis crítica que mobiliza justiça social e políticas de mudança social orientadas para a construção de uma sociedade equânime onde nenhuma mulher precisa reivindicar seu direito a ser lida enquanto sujeito, ou a gente tá só se autopromovendo”.
Winnie Bueno é mestre em direito e doutoranda em sociologia.
Um feminismo sem elitismo de classe – Heloisa Buarque de Hollanda
“Eu quero um feminismo tão cheio de gana como está esse novo feminismo, mas com uma preocupação social um pouco mais forte. Porque tem muitas mulheres onde o feminismo não chega, e que até rejeitam o feminismo por conta disso. Porque não estamos prestando atenção em todas as mulheres. Nós estamos prestando atenção em um seguimento de mulheres, só. Eu tenho um laboratório que se chama “Feminismo nas Quebradas” e você percebe um elitismo de classe do feminismo. Eu queria que esse feminismo não ficasse como está, mas se abrisse”.
Heloisa Buarque de Hollanda é escritora e professora universitária, autora de livros sobre feminismo, como “Pensamento feminista brasileiro”.
Um feminismo sem palavras difíceis – Julia de Miranda
“Um feminismo sem palavras difíceis, que se distancie do elitismo acadêmico, a fim de se comunicar através de novas e plurais linguagens que não universalizem a nossa existência numa limitada narrativa. Um feminismo emancipatório que esteja disposto a pensar criticamente e questionar, primeiro, nossas próprias limitações e onde se encontram as raízes que amarram nossas práticas às ações machistas, racistas, classistas e excludentes conosco e com nossas companheiras.
A partir de uma autocrítica baseada na ideia de acolhimento e nutrida de autoamor, estaremos talvez mais conscientes de que a escuta ativa e a empatia são atos políticos e podem auxiliar na construção de um espaço feminista que compreenda e aceita todas as diferenças numa abordagem interseccional que enriquece nossa corrente pelos direitos das mulheres e erradicação do patriarcado. Educando a nós mesmas e quem amamos, teremos mais facilidade para perceber todas as vezes em que a representação do feminismo se torna uma mera mercadoria na mão do capitalismo.
Queremos um feminismo mais realista, inclusivo (que se aproxime e esteja aberto para o diálogo com os homens), humano, que não se esqueça que as bases opressivas do machismo, colonialismo e racismo caminham juntas e que o combate eficaz do sexismo, misoginia, entre tantas opressões, precisam ser discutidas com profundidade sem que uma pauta anule a outra, todas são urgentes. Um feminismo visionário que nos assegure o direito aos nossos corpos e escolhas e que trabalhe pela liberdade para sermos quem quisermos, esse pode ser um sentido palpável para equidade”.
Júlia de Miranda é antirracista, comunicadora e ativista e colunista da Revista AzMina.
Sobre a AzMina
AzMina é uma revista eletrônica feminista independente, que ajudou a revolucionar a cobertura de gênero no jornalismo brasileiro nos últimos 6 anos. Com informação e dados, discute temas tabus, fazendo reportagens investigativas e criando uma comunidade forte de pessoas comprometidas com os direitos das mulheres. Além da Revista AzMina, a iniciativa conta com o PenhaS, um app de enfrentamento à violência doméstica, e o Elas no Congresso, uma plataforma de monitoramento dos direitos das mulheres no legislativo.